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CUT-MS e movimentos sociais lançam campanha de solidariedade aos Guarani e Kaiowá

Publicada em: 02/10/2025 17:21 -

A Central Única dos Trabalhadores de Mato Grosso do Sul (CUT-MS) realizou, na noite de terça-feira (30), uma reunião emergencial para discutir a grave situação enfrentada pela retomada da comunidade Guarani e Kaiowá de Guyraroká, localizada no município de Caarapó (MS). O encontro foi convocado após a visita do Professor Francisco, Secretário de Direitos Humanos e Políticas Sociais da CUT-MS, que esteve na região, em comitiva junto com a Deputada Estadual Gleice Jane (PT), na última sexta-feira (29), ele relatou um cenário “de guerra e cerco” contra o povo indígena.

A comunidade de Guyraroká trava há décadas uma luta pela demarcação de seu território tradicional. O local é um dos símbolos da resistência Guarani e Kaiowá, povo que sofre historicamente com a expulsão de suas terras, a exposição aos agrotóxicos e a violência de jagunços de fazendas agrícolas na região sul do estado, hoje um dos epicentros do agronegócio nacional. A área era utilizada para pasto de gado, mas em 2018 os fazendeiros mudaram o uso do solo para plantio de soja e milho. 

“Estamos na reivindicação há trinta anos aguardando a resposta da demarcação de território, trinta anos morando embaixo da lona. Sempre batalhamos para produzir, até 2020 a gente plantava arroz pra sustento da comunidade, tirava 40 sacos de amendoim, abóbora, milho, melancia, melão, batata, mas hoje a gente não consegue mais, então chegou o momento que acabou a paciência”, contou uma das lideranças indígenas que pediu para não ter o nome revelado, por motivos de segurança. 

 

Imagem cedida pela comunidade GuyrarokáImagem cedida pela comunidade Guyraroká

Chuvas recentes e ventos de até 80km por hora, levaram lonas de barracos improvisados, aumentando a vulnerabilidade da comunidade de Guyraroká, ataques de jagunços levaram utensílios domésticos de gerações.

Durante a visita, o Professor Francisco descreveu a realidade vivida pelos indígenas como uma das experiências mais marcantes de sua trajetória sindical e humana.

“É uma experiência de tensão e de medo, mas, sobretudo, de muita consciência política e solidariedade. O que vimos ali foi uma situação de extrema vulnerabilidade. Crianças, mulheres e idosos vivendo sob ameaça constante, com o ar, a comida e a água contaminados por agrotóxicos pulverizados nas lavouras vizinhas”, relatou o dirigente.

DivulgaçãoDivulgação

Professor Francisco de camiseta laranja, apoiando
indígenas de um dos barracos montados em Guyraroká

A denúncia sobre o impacto direto dos agrotóxicos na escola e nas moradias da comunidade também foi feita pela deputada estadual Gleice Jane (PT), que esteve em Guyraroká na última sexta-feira. Em um vídeo publicado nas redes sociais, a parlamentar mostra que há menos de 30 passos entre a cerca da fazenda e a escola onde estudam as crianças indígenas.

“A Terra Indígena Guyraroka, em Caarapó, e a Terra Indígena Passo Piraju, em Dourados, pedem socorro e solidariedade. Hoje estivemos em visita a essas comunidades, levando nosso apoio diante da violência sistemática praticada contra o povo Guarani e Kaiowá. A pulverização aérea aqui, tem intoxicado e contaminado as crianças muito de perto”, disse a Deputada Estadual em suas redes sociais.

Assessoria Deputada Estadual Gleice JaneAssessoria Deputada Estadual Gleice Jane

Deputada Estadual Gleice Jane em ritual espiritual
de boas vindas dos Guarani e Kaiowá de Guyraroká 

A visita da comitiva esteve longe de ser um simples deslocamento. Segundo o Professor Francisco, o trajeto até o local foi marcado por tensão e obstáculos. No caminho, o grupo se deparou com três barreiras montadas pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF/MS) e com a presença da Força Nacional, que acompanhava um servidor do Ministério dos Povos Indígenas. Foram cerca de 30 quilômetros de estrada de terra, onde puderam notar plantações de soja, até chegar à área de retomada. No local, o dirigente ouviu da comunidade relatos de ataques de jagunços, tensão com a tropa de choque da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul e a destruição de barracos erguidos pelas famílias indígenas.

A situação mobilizou a direção estadual da CUT e organizações parceiras, que reuniram-se de forma virtual para definir medidas urgentes de apoio à comunidade.

De acordo com o Professor Francisco, quatro encaminhamentos principais foram aprovados:

Campanha de Solidariedade: será lançada uma campanha estadual de arrecadação de alimentos, roupas, brinquedos e produtos de higiene, destinados às famílias da comunidade Guyraroká e de outras áreas de retomada indígena.

Cobrança de Segurança: a CUT-MS, movimentos sociais e entidades parceiras, enviarão ofícios aos governos federal e estadual cobrando proteção efetiva aos povos Guarani e Kaiowá, diante das ameaças e ações de violência registradas na região.

Apoio à Saúde: será solicitado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) um plano emergencial de contingência para atendimento médico, psicológico e sanitário das comunidades afetadas.

Debate Permanente: a Central promoverá um debate ampliado sobre a situação dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul, com a presença de movimentos sociais, sindicatos e universidades, para fortalecer a pressão política e a solidariedade social.

“O que vimos em Guyraroká é um retrato do abandono e da negligência do Estado. Mas também vimos resistência. A luta dos Guarani e Kaiowá é pela vida, e nós, enquanto sociedade, não podemos permanecer em silêncio”, concluiu o Professor Francisco.

“A CUT-MS está à disposição para contribuir em todas as frentes dessa mobilização, na campanha de arrecadação, na criação da caravana e em qualquer ação que seja necessária para apoiar a comunidade de Guyraroká e demais áreas de retomada. A situação dos povos indígenas em nosso estado é de extrema vulnerabilidade, especialmente nessa relação desigual com o agronegócio, que impõe violência, envenenamento e exclusão", disse Vilson Gregório, Presidente da CUT-MS.

Historicamente aliada e solidária aos povos indígenas, a CUT-MS recentemente participou de uma iniciativa de apoio e solidariedade aos povos indígenas da cidade de Amambai-MS. 

A Central reforça que a defesa dos direitos humanos e a solidariedade entre os povos são princípios históricos do movimento sindical. A CUT-MS também faz um chamado aos sindicatos, federações e confederações filiadas, para que se somem à campanha e ampliem a rede de apoio nacional aos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.

 

Imagem cedidas pela comunidade GuyrarokáImagem cedidas pela comunidade Guyraroká

Momento de tensão. Indígenas foram expulsos da sede

da fazenda Ipuitã pela Polícia Militar de Mato Grosso do Sul Escrito por: Sérgio Souza Júnior

Contexto histórico

A Terra Indígena Guyraroká foi identificada e delimitada pela Funai em 2009, com área de cerca de 11 mil hectares, mas o processo de demarcação foi suspenso por decisão judicial em 2014, após pressão de fazendeiros locais. Desde então, a comunidade vive confinada em pequenas áreas, sob constante ameaça e cercada por plantações de soja e milho, onde o uso intensivo de agrotóxicos compromete o ambiente e a saúde da população. A comunidade Guyraroká conta com aproximadamente 120 pessoas, 12 bebês e 37 crianças, 4 gestantes e seis idosos.

Organizações de direitos humanos e ambientais vêm alertando há anos para o avanço da contaminação e para os impactos sociais da demora na demarcação. Segundo levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Mato Grosso do Sul concentra alguns dos maiores índices de violência contra povos indígenas no país, incluindo assassinatos, ameaças e tentativas de expulsão.

“Estamos aqui na resistência, vamos resistir, até o último indígena, nós somos o que restou dos povos Guarani e Kaiowá, vamos resistir por nossa área, independente da situação”, reforçou a liderança indígena. 

Campanha de solidariedade

A CUT-MS informou que, nos próximos dias, divulgará os pontos oficiais de coleta de doações e as chaves PIX para contribuições financeiras. Todos os itens arrecadados serão encaminhados diretamente às comunidades Guarani e Kaiowá de Guyraroká e de outras áreas de retomada no estado.

A Central também pretende levar o tema à direção nacional da CUT, buscando articular uma campanha nacional de apoio aos povos indígenas e pressionar por medidas concretas de proteção e justiça.

 

Escrito por: Sérgio Souza Júnior

 

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