O
ex-presidente acusa o atual presidente, Luis Arce, de tentar assassiná-lo.
A delegação
em que viajava Evo Morales neste domingo recebeu 18 tiros de dois veículos até
o momento não identificados. O ex-presidente boliviano descreveu os
acontecimentos, ocorridos numa estrada do Chapare, como uma tentativa do
Governo de prendê-lo, como um atentado à sua vida. Morales enfrenta um mandado
de prisão por não comparecer para testemunhar em um caso de suposto abuso
sexual de menores.
Embora tenha
saído ileso do ataque, seu motorista sofreu um ferimento superficial na nuca.
“Esta é mais uma falha do Governo. É muito sério, muito sério, o que Lucho Arce
(atual presidente) e David Choquehuanca fizeram da minha vida. Isto não é
contra Evo, é contra o movimento indígena… Lenin Moreno [o ex-presidente do Equador
que enfrentou Rafael Correa] ficou ofuscado pela traição de Arce”, disse Coca à
Rádio Kausachun logo após o ocorrido.
“Estávamos
avançando e tinha um carro bloqueado, saímos [para ultrapassá-lo] e outro veio
nos bloquear; Lá eu disse: 'isto é uma operação'. Felizmente havia espaço e
depois passamos e eles começaram a atirar… Eles atiraram na gente por trás.
Agachei-me para me proteger e não consegui ver quem eles eram”, disse Morales
na entrevista.
Um vídeo
gravado de dentro do caminhão de Morales, e divulgado por sua equipe de
imprensa, mostra o ex-presidente no banco do passageiro se encolhendo para se
proteger, buracos de bala nas janelas e sangue escorrendo pela cabeça do
motorista. Tudo acontece com muito nervosismo e gritos, enquanto Morales fala
ao telefone e pede a alguém que se “mobilize”. O ex-presidente chega a uma
cidade e ordena que as pessoas “bloqueiem” a estrada porque o estão
perseguindo; finalmente muda o transporte. Tudo isto acontece no Chapare, a
área de cultivo de coca onde Morales viveu e reinou politicamente desde a
década de 1990. As pequenas cidades de Chapareña surgem ao longo da rodovia que
liga o oeste montanhoso às planícies do leste da Bolívia. Todo o Chapare pode
ser explorado de carro em cerca de três horas.
Morales está
ali refugiado desde que se soube, no início de outubro, que a acusação o
procurava porque teria engravidado uma adolescente de 15 anos em 2016 e
reconhecido a filha dela um ano depois. Neste domingo, Morales saiu da cidade
de Villa Tunari, onde mora, em direção a Llauca Ñ, onde está localizada a Rádio
Kausachun Coca, para realizar seu programa dominical. Foi interceptado próximo
ao quartel-general da Nona Divisão do Exército, que fica nesta região.
Os
assessores de Morales declararam que os agressores eram homens encapuzados,
vestidos de preto e com armas de longo alcance. A Rádio Kausachun Coca também
exibiu vídeos de helicópteros sobrevoando a pista de Chimoré, próximo ao local
onde ocorreram os fatos. “Isso está totalmente planejado. Uma bala passou a centímetros
da minha cabeça”, disse Evo Morales. Ressaltou ainda que sabia desde sábado que
havia agentes do Ministério do Governo (Segurança) em Villa Tunari, onde mora.
“Isso é pior que a ditadura de [Jeanine] Añez; “Lucho é louco por roubar”,
declarou Morales, que parecia calmo.
Juan Ramón
Quintana, ex-ministro da Presidência e colaborador próximo de Morales, sugeriu
num vídeo subsequente que o ex-presidente está em risco na Bolívia e que a
comunidade internacional deveria ajudá-lo a deixar o país. No entanto, o
ex-presidente destacou: “Não estou escondido, não tenho motivos para fugir, não
tenho motivos para me esconder. “Não sou um criminoso para me esconder.”
El Chapare é
o epicentro de um bloqueio rodoviário de 14 dias realizado por agricultores
“evista” contra o governo de Luis Arce e para evitar que Morales fosse detido
pela polícia. O ex-presidente se considera vítima de uma campanha política
contra ele, devido à dura luta que trava contra Arce pela liderança da esquerda
boliviana e pela candidatura do Movimento ao Socialismo (MAS) nas eleições de
2025.
Na
sexta-feira, com numerosos feridos e detenções, a polícia desbloqueou dois
bloqueios estratégicos com o propósito confessado pelo próprio Morales de
“cansar o Governo”, com o qual foi retomado o tráfego entre Cochabamba e La
Paz. Há um pedido generalizado por parte dos residentes da cidade,
especialmente os de Cochabamba, e tanto do partido no poder como da oposição,
para que as rotas que permanecem bloqueadas sejam desbloqueadas à força.
Os líderes
cívicos ou regionais de Santa Cruz, no Extremo Oriente, exigiram que Arce
enviasse militares para enfrentar os cocaleiros, que mais uma vez foram
considerados, tal como na década de 1990, “criminosos e traficantes de drogas”.
Morales está isolado, mas não é a primeira vez em sua história como líder
sindical e político que conta apenas com o apoio dos moradores rurais. A
diferença agora está no tipo de acusação que foi feita contra ele.
O Governo
não comentou até agora o ocorrido, embora alguns dos porta-vozes oficiais mais
radicais tenham saído para falar de um “autoataque” e relacionar isto com
supostas novas revelações sobre o comportamento de Evo Morales com menores.
EL PAÍS
